Oscilações do pensamento...

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Vou lá muitas vezes, no mínimo uma vez por semana. Já vão seguramente 4 anos!
Entro sem hesitar. Cumprimento de raspão o homem do costume com um aperto forte de mão. Não perco tempo. De passada larga e olho bem atento corro tudo. Já conheço os cantos à casa. O movimento da cabeça não pára; ora à esquerda, ora à direita, acima e abaixo, descrevendo animações rápidas mas atentas. Estou acostumado, já não me perco.
Maior parte das vezes não pressinto o que procuro mas tenho a certeza que vou encontrar.
O ar é intenso. O ambiente vislumbra-se nem muito claro nem muito escuro, é apertado contudo. Os odores misturam-se. Sente-se a presença da madeira velha, gasta, mal tratada; adivinha-se o cheiro a mofo, a rançoso; cheira a usado, desconhecido, a abandonado, mas também cheira a cera de abelha a tentar disfarçar.
Tem lá de tudo: objectos pequenos, maiores, enormes, completos, disformes, imperfeitos, desfeitos; objectos originais, invulgares, coloridos, brilhantes, simpáticos, familiares, quotidianos; outros pirosos, excêntricos, insuportáveis, apáticos. Todos eles com um denominador comum: deixaram de servir, foram preteridos, rejeitados. São todos objectos em segunda ou terceira e quarta mão quiçá. Uns ficam, outros vão, outros ainda acabam de chegar. Fico atento ao vai e vem...
Lá ao fundo, onde se perde a noção da perspectiva, encavalitada sobre uma espécie bizarra de armário, ergue-se imponente uma Cadeira. Aproximo-me...
- Uma bela cadeira! - Exclamam os meus olhos esbugalhados. Antiga, forrada de tecido coçado, roto nos cantos mais previsíveis. Convencida que é a mais perfeita de todas. Era porventura uma cadeira de mesa de sala. Provavelmente fora separada das irmãs. Talvez tenha desertado, ou pior, substituída por uma outra sem dúvida menos formosa. Entre as demais nenhuma se apresentava tão deslumbrante: de pernas roliças, bem torneadas, de costas firmes, segura de si. O verniz estalado denunciava uma história preenchida.
Que mãos lhe deram vigor? Quantos se sentaram nela? Quantas vezes ofereceu descanso ao mais fatigado de todos? Quantas vezes reservou lugar para a mais completa das refeições? A quem jurou fidelidade eterna? Quem se esqueceu dela, a abandonou?
Já não interessa. A partir de agora é minha! Quem foi ao ar perdeu o lugar.
Fui eu o escolhido. O seu novo proprietário. Agora o seu destino pertence ao programa das minhas motivações. Vou oferecer-lhe outra oportunidade, atribuir-lhe nova família, uma nova orientação, qualidade proporcional à sua envergadura, à feição do seu vulto, à genuidade da sua estrutura.
Aproximo-me novamente do homem: - Dez euros!? Compro!

Porto, Outubro de 2006

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