POR ORA...






Primeiro as pontes, depois as margens
Exercício epistolar sobre alguns trabalhos de Pascal Ferreira

Meu Caro,
que fortuna deve ser a de avistar uma ilha. Parece coisa de somenos, mas bastaria pensarmos no que nos conta o Poeta sobre os muitos trabalhos da Deusa, aqueles de que foi incumbida para que os lusos se pudessem cruzar com o seu destino, com a sua Ilha dos Amores, para que imediatamente sejamos tomados por uma estranha e humilde sensação de gratidão. Avistar uma ilha é nada menos que cair na sorte de ser avistado por uma promessa. Por isso lhe escrevo com uma certa alegria: a de quem tem notícia de um bom achado e de um amigo sendo.
E não fosse este achado suficiente causa para o júbilo, maior se faz o contentamento de perceber, nesse seu primeiro avistamento, uma promessa de ponte.
Com tão grande agrado vejo que se aventurou a ancorar e descansar sua parafernália de navegante, e caminhar pela paisagem, inventando-a como olhá-la, num ir sozinho quem em nada tem que ver com a solidão dos românticos, mas que a evoca porque é pela paisagem que tenho notícia de si. E reparará que digo paisagem e não natureza, porque num lugar onde é a ponte da visão (como dizia Delacroix) que cria aquilo a que chamamos o entendimento humano das imagens - ponte entre a concretude e o espírito - pouco sobra de natural no nosso olhar para a natureza. O que da ilha nos deixa ver é mais o que dela existe ou ecoa dentro de si, e menos o que a ilha é como evento geográfico. E um amigo fica sempre alentado de ver nas coisas um amigo.
Fico com vontade de imaginar que não vai só porque vai consigo, e que, talvez, a coisa mais natural de toda essa ilha seja que a olhe de forma pedestre. E que haja em si desejo de viajar pois, lembrando nossa estimada Sophia, afinal viajar é olhar. E quantas pontes nessa Ilha das quantas pontes! Parece que na verdade só há paisagem porque elas a criam, como se esse lugar do que quer ser junto (do que é entre, do que une o que era separado, isso que é a comunhão entre dois lugares que antes não comunicavam mais que pelo ver, não se tocavam, não se continuavam, esse lugar que é a ponte como ideia que ao mesmo tempo resolve e denuncia o problemas das distâncias - como queria o nosso querido Heidegger) fosse uma belíssima desculpa para que se decida erigir uma proximidade, uma relação. E que bem decide o seu olhar, e que bem tece a decisão a sua mão escrevente.
Assim me despeço, meu caro, esperando que esta minha carta lhe chegue por ponte aérea, e com a tranquilidade de ver que encontrou para si abrigo, e que por ora, o que interessa é que haja pontes e que o resto...
bem, o resto é paisagem.

Marta Bernardes
ano treze de dois mil
































































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